quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Braços estirados


"Livrai-me de tudo que me trava o riso. Amém."

- Cris Carvalho -


As coisas mudaram no dia que ela decidiu se entregar. Não lembra em que instante isso aconteceu, mas desejou ficar diferente, com menos rancor, menos mágoa, menos peso. Parou de procurar quem deixou de pagar a conta e esqueceu todos os devedores pelo caminho. Na bagagem, só o estritamente necessário. Eliminando sobras, aprendeu a aparar as arestas. Dos pertences, restou apenas o desperdício de si, a entrega, o arrebatamento. Pegou nos ares a estrela caída do céu, colocou no cabelo, como um iluminado enfeite, e foi. Peito aberto. Braços estirados. A vida, agora, era qualquer coisa pura, qualquer coisa livre, qualquer coisa genuína. Nada é pesado demais para quem tem asas.


sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Para Clara



Dói. Mas há que se entender os rumos da vida.

Clara passava dias a depositar impossibilidades numa branca folha de papel. Criava castelos, montanhas e fadas com giz-de-cêra. Dos desenhos, guardava as cores. Céu, sol e flores amarelas, amar-ela. De repente, foi acometida por uma doença de nome estranho: leucemia. Continuou a colorir. Quando as coisas pioraram e o corpo começou a enfraquecer, a menina passou a entender sobre a dor. Conviveu com ela por quase dois anos. Era duro, mas acostumou. E da dor, tirou o alívio. Na bagagem que levou para o hospital, um punhado de estrelas, uma porção de esperança e muitos potes de vida. Vida por toda parte. Sempre. Sempre. Sempre. É por isso que não vou falar da morte. Nem da dela, nem da minha, que também morri um pouco quando ela partiu. Não vou falar da morte porque a morte é nada perto da inocência e do riso lindo que me vêm à mente cada vez que fecho os olhos.

Menina-Luz!


*Vai fazer um mês que Clarinha foi lá pra cima alumiar a vida da gente. Sei que papai do céu fez isso porque ela é uma menina especial demais para viver as chatices que a adultice traz.