segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Eram os dois


Acontece nas melhores famílias. De repente, ela virou-se e não reconheceu o homem que dormia no lado esquerdo da cama. Nunca havia se perguntado, aliás, o porquê de tantos anos dormindo do lado direito. Não lembrava em que momento ficaram instituídas as posições. Não era a barriga preponderante, nem a toalha molhada em cima da cama. Não era o futebol aos domingos, nem as latinhas de cerveja espalhadas pela casa. Não era a mania de dirigir perigosamente, nem a indelicadeza de jamais abrir a porta do carro. Ela gostava do sexo, do cheiro, do papo. Mesmo quando precisava fingir orgasmo, mesmo quando a loção pós-barba ficava espalhada na pia do banheiro, mesmo quando não entendia direito as oscilações da bolsa. O problema todo estava no lado esquerdo. Não no lado esquerdo em si, pois nunca se importou com posições, mas na repetição, na rotina, na programação massante dos dias. O problema estava nos anos, no que ela fez dos anos, nos momentos em que foram determinados os lados da cama. Eram os lados, as divisões, a delimitação de papéis. Era ela. Era ele. Eram os dois.

Um comentário:

  1. Muito bem escrito,muito boa a abordagem.
    Que se troquem os lados, que se mexa na vida sempre!
    Beijos,flor!
    Espero uma visita sua em meu blog!

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