terça-feira, 20 de julho de 2010

Fotossíntese



Seis da tarde. Em momentos de tristeza, ela segue para a estação de trem. Gosta de acompanhar os passos das gentes que vão e voltam. Quando a dor é muito grande, senta-se no chão, recosta-se a parede e dobra os joelhos. Poderia ficar durante dias naquela posição sem que ninguém a notasse. Acontece nas grandes cidades. Às vezes, junta-se à multidão e embarca num trem, ou dois, ou três. Depende do tamanho do abismo que carrega. Perder-se no aglomerado de pessoas foi a melhor forma que encontrou para tornar-se invisível. Um amontoado de corpos a bordo do carregador de vidas. Frenesi e lassidão, barulhos e silêncios. É assim mesmo: reunião de paradoxos. Embarca no último vagão, em direção à estação final, onde passa a madrugada inteira em pé na beirada da plataforma. Extrapola os limites da linha amarela. Respira fundo tentando fazer o coração desaprender o caminho da dor. Quando não mais resiste, chora. O corpo fica completamente úmido e ao redor dela vai se formando uma poça de água salgada. Mar que arrebenta. Ela observa tudo clandestinamente, chega a desconfiar que esteja chorando que é por trás de seus olhos castanhos que se forma a cratera profunda, mas não tem coragem de checar. Tem mania de criar personagens para disfarçar a própria tristeza. Amanhece e, aos poucos, os raios de sol secam a poça, feito orvalho sumindo da folha da árvore. Instantes de luz penetram a pele e começam a produzir desapertos. Indícios de salvação. Quase volta a ser o que era. As primeiras pessoas que chegam à estação, observam atônitas as transformações do corpo fotossintético. Entreolham-se sem entender nada, mas sabem da importância de respeitar a grandeza daquela fragilidade inquebrantável. O primeiro trem chega e ela já não está mais no mesmo lugar. Dá dois passos atrás e volta para casa. Caminhando.

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